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Impactos Tributários Trazidos pela Pandemia de Covid-19 (coronavírus) e as Medidas Temporárias que Podem Ultrapassar as Emergências que as Motivaram

Yuval Noah Harari é uma das personalidades intelectuais mais influentes dos últimos anos, este historiador israelense é autor de ‘Sapiens’, ‘Homo Deus’ e ’21 Lessons for the 21st Century’ e, recentemente, publicou um artigo intitulado “O mundo após o coronavírus”.   

Harari afirma que a tempestade da pandemia passará, sobreviveremos, mas será outro planeta, já que muitas das medidas atuais de emergência deverão ser estabelecidas como rotinas fixas: “essa é a natureza das emergências, aceleram os processos históricos em fast forward”.  

“Israel, por exemplo, declarou estado de emergência durante a Guerra da Independência de 1948, o que justificou uma série de medidas temporárias, desde censura à imprensa e confisco de terras a regras especiais para fazer pudim (não estou brincando). A Guerra da Independência já foi vencida há muito tempo, mas Israel nunca declarou a emergência terminada e deixou de abolir muitas das medidas “temporárias” de 1948 (o decreto de pudim de emergência foi misericordiosamente abolido em 2011).[i]

Exemplificando a assertiva de que medidas temporárias têm o costume de ultrapassar as emergências que as motivam, Harari traz a realidade vivenciada em seu país (Israel) fazendo menção ao cômico decreto de pudim de emergência para justificar a premissa retro.

No Direito Tributário, a realidade não é diferente, podemos citar que o imposto de renda surgiu na Grã-Bretanha, no século XVII, para arrecadar fundos no auge da guerra entre Inglaterra e França. Nos Estados Unidos, o mesmo imposto foi instituído para gerar receita para a Guerra Civil.[ii]

No Brasil, o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) que, mais tarde, seria nomeado como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi criado para ser temporário – como o próprio nome diz -, contudo, foi renovado sucessivamente, até que o Legislativo extinguiu o tributo em 2007, durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).[iii] 

Após a extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), os governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) cogitaram a recriação do tributo e, mesmo no  governo Jair Bolsonaro, conjecturou-se a criação de um imposto nos moldes da antiga CPMF, em troca da desoneração da folha de pagamentos das empresas.

Em todos os casos citados, os tributos que, inicialmente, eram provisórios e criados em uma atmosfera emergencial – tal qual a realidade que vivenciamos com a pandemia do COVID-19 – vieram a se tornar permanentes e imprescindíveis para o orçamento fiscal dos entes públicos tributantes.

“O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou, no dia 17 de março de 2020, um pacote de medidas emergenciais que visa injetar até R$ 147.300.000,00 (cento e quarenta e sete bilhões e trezentos milhões de reais) na economia do país nos próximos três meses, na tentativa de amenizar o impacto financeiro e econômico causado pelo coronavírus”.[i]

Na área tributária, as principais medidas anunciadas pelo governo para conter o impacto financeiro causado pelo coronavírus e, ao mesmo tempo, “ajudar” o contribuinte vêm ao encontro da dificuldade de caixa das empresas para fazer frente às suas obrigações com fornecedores, empregados e perante o Fisco.

Algumas medidas já foram regulamentadas por meio de Decretos, Medidas Provisórias e resoluções, é o caso da prorrogação do prazo para pagamento da parcela dos tributos federais do Simples Nacional, por 6 meses, instituído pela Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional nº 154, de 03 de abril de 2020.[ii]

A Medida Provisória nº 932/2020, de 31 de março de 2020, reduziu as alíquotas de contribuições obrigatórias das empresas para o Sistema S[i] (exceto para o Sebrae, cujo recurso foi destinado ao FAMPE); já o Decreto nº 10.305/2020, de 1º de abril de 2020, determinou que nas operações de crédito contratadas no período entre 03 de abril de 2020 e 03 de julho de 2020, as alíquotas do IOF, previstas para certas operações contratadas, ficam reduzidas a zero[ii].

Concernente ao famigerado Imposto sobre a Renda, através da Instrução Normativa nº 1.930, de 1º de abril de 2020, o Contribuinte teve prorrogado o prazo de entrega da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física, até 30 de junho de 2020.[iii]

Foi amplamente divulgada, nos meios de comunicação de massa, a Medida Provisória nº 927[iv], que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda.

Através desta medida, expedida pelo Presidente Jair Messias Bolsonaro, com força imediata de lei, autoriza-se aos empregadores a adoção de medidas, tais como: o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o diferimento do recolhimento do FGTS, entre outras medidas.

Resolução nº 17, de 17 de março de 2020, do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior,[v] concede redução temporária da alíquota do Imposto de Importação dos produtos de uso médico-hospitalar, alterando-a para zero por cento, até o dia 30 de setembro de 

2020.

Em sentido semelhante, o Decreto nº 10.302/2020 autoriza a Redução temporária da alíquota de IPI incidente sobre produtos necessários ao combate ao COVID-19, tais como artigos de laboratório ou de farmácia, luvas e termômetros clínicos.[i]

Todas as medidas anunciadas, com a finalidade precípua de auxiliar o contribuinte, apresentam datas limites para encerrarem; entretanto, são preocupantes as tentativas de criação de novos tributos no Congresso Nacional, que, evidentemente, onerarão o contribuinte, ao passo que, tributos novos, tidos como “excepcionais e extraordinários”, não apresentarão datas limites para sua extinção, diferentemente das “ajudas” fiscais acima alinhavadas.

Em apresentação sobre o balanço do impacto econômico de medidas de enfrentamento ao coronavírus – tais como as medidas relacionadas acima – o Ministério da Economia projetou que o déficit primário do governo central pode chegar a R$ 515,5 bilhões, em 2020, se o PIB do ano fechar em queda de 5%. Nesse cenário, em 2020, a dívida bruta do governo atingiria 90,8% do PIB.[ii]

Ou seja: o governo não conseguirá atingir as metas necessárias na coleta de tributos da população para fazer frente aos gastos públicos, levando, invariavelmente, às tentativas de criação de novos Tributos.

Pois bem, atualmente, tramitam no Congresso Nacional projetos de Lei que têm como escopo a criação de novos tributos “emergenciais” e que, como afirmado, podem vir a se tornar permanentes, dada a realidade econômica que assola o Brasil e, parafraseando Harari, “medidas temporárias têm o costume de ultrapassar as emergências que as motivam”. 

“Visto como uma potencial fonte de arrecadação para o país, o IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS (IGF) é tema de quatro projetos em tramitação no Senado. Dois deles foram apresentados após o início da pandemia do novo coronavírus — e citam essa calamidade sanitária como motivo de suas medidas.[i]

O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS está previsto na Constituição Federal desde sua promulgação, mas necessita de uma lei que o implemente, algo que nunca foi feito, mesmo ultrapassados 30 anos de nossa Carta Magna. O Tributo (de competência exclusiva da União para sua instituição e aplicação) encontra previsão no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal e demandaria lei complementar para a sua regulamentação.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) é autora deste projeto de Lei, o PLP 50/2020, contudo, é importante frisar que, mesmo que esse projeto seja aprovado durante a pandemia, ele não poderá ser cobrado a 

tempo de trazer recursos imediatos, uma vez que deverá respeitar os Princípios da Anterioridade e o Princípio Nonagesimal.

Além da criação do imposto, no mesmo Projeto de Lei nº 50/2020, a Senadora Eliziane Gama sugere uma medida que poderia gerar efeitos imediatos: O EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO APLICADO ÀS GRANDES FORTUNAS[i]. O empréstimo compulsório é uma ferramenta que a Constituição permite em circunstâncias emergenciais, como guerras ou calamidades públicas, e ao contrário dos impostos, não precisa aguardar o ano seguinte para começar a valer, no entanto, os valores arrecadados devem ser devolvidos no futuro.

De acordo com o texto de Eliziane, o empréstimo consistiria em uma alíquota de 4% aplicada sobre a mesma base tributária do imposto que a senadora propõe: patrimônios acima de 12 mil vezes o limite de isenção do imposto de renda. O dinheiro seria retornado a partir de 2021, remunerado pela Taxa Referencial (TR) – mesmo índice usado na atualização dos valores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).[ii]

Outro Projeto de Lei (PLP 34/2020)[iii], de autoria do deputado Wellington Roberto (PL/PB) e que atualmente está tramitando no Congresso, também prevê outro empréstimo compulsório para atender às despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública relacionadas ao coronavírus.

Somente a título de exemplo do que foi a implementação de um empréstimo compulsório na realidade brasileira, podemos citar o fatídico e odiado Plano Collor, que foi instituído em março de 1990 e anunciava como principal mudança a substituição do cruzado novo (NCz$) pelo cruzeiro (Cr$), porém, a medida mais polêmica foi o bloqueio das cadernetas de poupança e das contas correntes com valores superiores a 50 mil cruzados novos, por 18 meses.

“Peço desculpas, as mais sentidas e as mais humildes, aos brasileiros que passaram por constrangimentos, traumas, medos, incertezas e dramas pessoais com o bloqueio do dinheiro. Lamento que tenha acontecido. Hoje, não faria de novo”. Assim o senador Fernando Collor (PTB-AL) se manifesta hoje sobre o empréstimo compulsório que deixou apenas 50 mil cruzados novos (equivalente a R$ 6 mil) nas contas correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos em 16 de março de 1990, dia posterior à posse do primeiro presidente eleito após o regime militar.”[i]

Numa análise geral dos eventuais tributos que poderão ser instituídos e cobrados neste momento em que as cidades e o comércio estão parados, as vendas estão caindo, não existe previsão de impulsão comercial ou industrial, será que a criação de novos tributos não dificultará ainda mais a situação?

Será que a tributação de grandes fortunas não afastaria os investidores no país? E qual será o impacto sobre o mercado e sobre os empregos ao retirar, do dia para a noite, porcentagem do total do lucro líquido obtido ao longo de 2019 do caixa das maiores companhias do país, como previsto no empréstimo compulsório proposto pelo deputado Wellington Roberto?

No caso do imposto sobre grandes fortunas, podemos considerar ser uma ideia coerente, mas será que este cenário de calamidade pública seria o ideal para se instituir um tributo que, apesar de previsto na Constituição há mais de 30 anos, até hoje não foi instituído? Será que foi realizada uma análise de mercado global e os impactos que poderiam advir com a instituição deste Imposto? 

Ora, não é hora de se falar em criação de tributos e sim buscar alternativas que facilitem a sobrevivência das empresas e dos empregos que elas geram, sendo que a melhor maneira de aumentar as receitas tributárias será incentivar um sólido crescimento, razão pela qual, os esforços para se reestabelecer as finanças públicas não devem vir cedo demais.

A pandemia mexeu com a sociedade como um todo e medidas urgentes estão sendo tomadas, afinal, o momento é de calamidade e pede atitudes rápidas e eficientes, nada mais coerente para o momento.

Contudo, em matéria tributária, uma medida urgente, porém impensada, precipitada e não calculada, pode alavancar uma séria de prejuízos incalculáveis e sob o efeito cascata para uma economia que ainda engatinha, como é o caso da nossa economia Brasileira.

“A situação de calamidade ora vivenciada é transitória, espera-se que seja a mais breve possível, e não se deve permitir que as exceções virem regras e abram espaços para uma farra fiscal. Como alerta com propriedade o ex-governador Paulo Hartung (ES), “socorro não pode virar despesa permanente”.[i]

As autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário têm uma importante tarefa ante as intempéries surgidas com a pandemia: agirem com prudência e responsabilidade, especificamente concernente à instituição, majoração e cobrança de tributos, ocasião em que, mais do que nunca, o sistema de freios e contrapesos deverá servir de âncora para se alcançar o equilíbrio das decisões a serem tomadas, a fim de evitar abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes.

De acordo com o ditado popular: a diferença entre o veneno e o remédio depende da dose, portanto, medidas urgentes e extremas, como a criação dos tributos mencionados anteriormente e tendentes a se manterem perpétuas no ordenamento tributário brasileiro, somente devem ser orquestradas com parcimônia, competência, habilidade e estudo aprofundado.  

As facilidades que o denominado “orçamento de guerra” abre para a solução da crise não podem levar a uma arruaça orçamentária com os cofres públicos, tampouco podem, deliberadamente, criar ônus desproporcionais aos contribuintes, sob pena de enfraquecerem os Princípios tributários da Capacidade Contributiva e do Não-Confisco, corolários que são da democracia Brasileira estampados na Carta Maior.

O Sistema Tributário Brasileiro encontra-se adoentado, não da COVID-19 (que se trata de uma doença “nova”), mas talvez da peste bubônica (referência a uma época longínqua em que grande parte da população morreu com esta doença), e acreditamos que, durante a maior epidemia mundial, não seja o momento correto para tratar de mudanças tributárias tão impactantes.

 A prudência nos recomenda que se aguarde o paciente sair da UTI para apresentar-lhe a conta do hospital, até porque, por enquanto, não sabemos o tamanho desta conta, não sabemos quem sobreviverá e terá capacidade para arcar com ela e nem temos como quantificar os efeitos destes novos tributos em uma economia que enfrentará desafios sem precedentes.

[1]https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/colunistas/carlos-starling/2020/04/11/noticias-saude,257390/o-mundo-apos-o-coronavirus-na-visao-do-escritor-yuval-noah-harari.shtml

[1] https://generalinvestidor.com.br/como-surgiu-o-imposto-de-renda-no-mundo/

[1]https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2019/09/relembre-a-historia-da-cpmf-tambem-conhecida-como-imposto-do-cheque-ck0fdbx99010q01tgo7rvbqle.html

[1]https://www.terra.com.br/noticias/brasil/governo-anuncia-pacote-para-injetar-r147-bi-na-economia,80f6dc4d6a125b1bc44fd17c5fa7576a9z3u8a74.html

[1]http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=108368#2114637

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv932.htm

[1] http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.305-de-1-de-abril-de-2020-250853594

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm

[1] http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-17-de-17-de-marco-de-2020-248564246

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10302.htm

[1]https://exame.abril.com.br/economia/com-queda-da-economia-deficit-primario-publico-recuaria-a-77-do-pib/

[1]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/senado-debate-quatro-propostas-de-imposto-sobre-grandes-fortunas

[1] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141223

[1]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/senado-debate-quatro-propostas-de-imposto-sobre-grandes-fortunas

[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2241701

[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/03/24/vinte-anos-depois-do-plano-collor-ex-presidente-pede-desculpas-a-populacao-pelo-bloqueio-do-dinheiro

[1] Não podemos misturar calamidade do coronavírus com farra fiscal, Estadão, em 9 de abril.

Braulio Aragão Coimbra

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (FDF)

Pós-graduado em Processo Civil pela Anhanguera Educacional 

Pós-graduando em Direito Tributário na Escola Brasileira de Direito (EBRADI)

Advogado  | Coordenador do Setor de Direito Securitário e Tributário

OAB / MG 130.398

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