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A ANULAÇÃO DA INCORPORAÇÃO DE MILITARES SOB A FALSA MOTIVAÇÃO DE PREEXISTÊNCIA DE DOENÇA AO ATO DE INCORPORAÇÃO

INTRODUÇÃO

A anulação da incorporação, regulamentada no artigo 139 do Decreto da Lei do Serviço Militar, é uma forma de exclusão aplicada aos casos de militares que incorreram em alguma irregularidade no recrutamento, como uma falha ocorrida no processo de seleção pelo militar – por exemplo, o militar era portador de uma doença e/ou lesão preexistente e incompatível com o serviço militar e omitiu essa condição no momento da avaliação médica – ou pela junta médica, no caso de não ter sido inspecionado corretamente, configurando-se erro do médico perito militar.

COMO OCORRE A ANULAÇÃO DA INCORPORAÇÃO?

Geralmente ocorre quando o jovem incorporado manifesta um problema de saúde no primeiro ano – ou em qualquer época – de serviço militar. No caso desse problema de saúde ter se manifestado no primeiro ano “será levantada a suspeita” de que essa doença possa ser preexistente à incorporação, o que pode sugerir que o militar omitiu tal enfermidade e/ou lesão da junta médica durante o processo de incorporação.

 O Decreto nº 57.654, de 1966 (Regulamento da Lei do Serviço Militar) determina que a irregularidade deve ser apurada por sindicância ou IPM, a fim de verificar se a irregularidade preexistia, ou não, à data da incorporação, apurando, assim, a quem cabe a responsabilidade.

Realizada a sindicância, e, ao final, caso a autoridade militar conclua que a doença e/ou lesão preexistia à incorporação, o militar tem anulado o ato de incorporação e é desligado das fileiras militares sem qualquer amparo da UNIÃO. Ainda, se a responsabilidade pela irregularidade couber ao incorporado, ele será multado, além de estar sujeito a receber outras sanções cabíveis.

A anulação da incorporação é também uma das formas comumente utilizadas pela administração militar, para desligar – muitas das vezes de forma ilegal e imoral – da corporação jovens que manifestam doenças e/ou lesões incompatíveis com o serviço militar, geralmente no primeiro ano de incorporação.

UM CASO REAL

Cito um caso que me chamou muito a atenção e que ocorreu na 23ª Companhia de Engenharia de Combate (Ipameri-GO), um dos primeiros casos do Januário Advocacia. Em junho de 1997, o Soldado Divânio Pinto de Jesus estava de serviço de Guarda, na mesma data em que ocorria uma Festa Junina no interior da OM, e ele, que estava de guarda ao quartel, foi chamado para pacificar uma briga que estava ocorrendo. Nesse momento, ele levou uma pedrada acima do olho direito, atirada por um dos civis envolvidos na briga.

Após esse evento houve uma sucessão de erros e descasos por parte da administração militar, pois, por 03 (três) vezes foi marcada uma consulta oftalmológica para o soldado Divânio no HGeB, atual Hospital Militar de Área de Brasília, e em nenhuma das vezes o Comandante da OM tomou qualquer providência para encaminhá-lo à consulta. De forma que, quando ele foi consultado, já em novembro de 1997, a lesão no olho tinha se agravado, devido ao descolamento da retina, fazendo com que, infelizmente, o Soldado Divânio perdesse a visão do olho direito de forma irreversível.

Mesmo com o descaso do Comandante da OM, o soldado Divânio foi inspecionado em 28 de novembro de 1997, pela Junta Médica – composta pelos médicos militares: Major Médico WALBERT ALMEIDA DE CARVALHO CRM/RJ 5232628-3, 1º Tenente Médico RENAULD DE BARROS JÚNIOR CRM/DF 9814 e pela 1ª Tenente Médica MARIA DE FÁTIMA ANDRADE CRM/DF 8396 – que julgou o soldado  definitivamente incapaz para o serviço militar  e afirmou, de forma irresponsável e falsamente, que “A DOENÇA PREEXISTIA AO ATO DE INCORPORAÇÃO”.

O Soldado Divânio chegou a recorrer da decisão, a fim de ser inspecionado pela Junta Médica Recursal em 3 de dezembro de 1997, mas teve a incorporação anulada no dia 10 de dezembro de 1997 pelo Comandante da OM, Major Raimundo Expedito de Oliveira, antes mesmo de ser inspecionado pela Junta de Inspeção de Saúde em Grau de Recurso (JISR); e o que é mais grave, sem ter sido processada a sindicância para averiguar, de fato, se a doença preexistia, ou não, ao ato de incorporação, como manda o regulamento.

A inspeção de saúde em grau de recurso só ocorreria em 15 de junho de 2000, isto é, quase 03 (três) anos após ter requerido a inspeção recursal, um verdadeiro descaso para com um cidadão que jurou defender a Pátria mesmo com o sacrifício da própria vida.

Depois de ter sido inspecionado em grau de recurso, a Junta Médica concluiu pela incapacidade definitiva do soldado Divânio para o serviço militar, e o mais importante, concluiu que “não foi possível precisar se a doença preexistia à data da incorporação”.

Quando, no dia 27 de julho de 2000, o Soldado foi novamente inspecionado pela Junta Médica Recursal, o mesmo parecer se repetiu: isto é, “não foi possível precisar se a doença preexistia à data da incorporação”.

Finalmente, uma nova inspeção foi realizada pela Junta Médica Recursal em 24 de agosto de 2000, a mesma conclusão se repetiu: “não foi possível precisar se a doença preexistia à data da incorporação”.

O que chama ainda a atenção na inspeção de saúde recursal é que a médica MARIA DE FÁTIMA ANDRADE CRM/DF 8396 – que em 1997 fez parte da Junta Médica da Guarnição, que declarou ser a doença do Sr. Divânio preexistente à incorporação – tomou parte na Junta Médica Recursal referente às inspeções de saúde de 15 de Junho de 2000 e 24 de Agosto de 2000, o que não era para ter acontecido, pois é a mesma coisa que o Juiz sentenciar um processo e, depois de promovido a Desembargador, vai para o Tribunal e julga um recurso contra a sua própria sentença, mas isso só vem a demonstrar mais uma vez, o descaso da administração militar.

Apesar do recurso do soldado Divânio ter sido provido, isto é, ter reconhecido que a doença de fato não preexistia à incorporação, a administração militar não tomou nenhuma providência no sentido de revogar o ato de exclusão e propor a reforma do soldado, embora existissem e existam documentos que comprovam que o problema teve sua origem em acidente sofrido em ato de serviço.

O AJUIZAMENTO DA AÇÃO JUDICIAL

Em 2002 foi ajuizada a ação de reforma em favor do Soldado Divânio, tendo sido deferido o pedido de antecipação de tutela, para que fosse imediatamente reintegrado, e pela primeira vez vi um Juiz determinar em sede de tutela antecipada o imediato pagamento de todos os vencimentos atrasados, no mérito, a UNIÃO foi condenada a reformar o soldado, além de ter que pagar uma indenização por danos morais que ultrapassa R$ 100.000,00 (cem mil reais), já que se passaram mais de 22 (vinte e dois) anos de tramitação processual.

QUEM VAI PAGAR A CONTA?

E essa conta, pouco mais de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais, é você contribuinte quem vai pagar. O prejuízo é da coletividade, aqueles oficiais que causaram o prejuízo não creio que sejam cobrados pela Advocacia-Geral da União, pois na prática não vejo isso acontecer, portanto o prejuízo deverá ser mesmo da UNIÃO.

Agora, se fosse um soldado que tivesse colidido uma viatura e causado prejuízos a terceiros, esse soldado seria imediatamente penalizado, arrancariam até o último centavo dele para ressarcir os cofres públicos.

REFLEXÕES FINAIS

A anulação da incorporação, infelizmente, continuará sendo um instrumento utilizado por alguns oficiais, que se sentem donos da máquina pública para se verem livres daquelas praças e militares temporários que não são mais úteis por estarem acometidos de moléstias. O caso do Soldado Divânio está longe de ser um caso isolado, no Escritório Januário Advocacia existem outros casos semelhantes (www.januarioadvocacia.com.br).

Portanto, fica uma indagação: como podem médicos militares – pessoas preparadas para cuidar do paciente – agirem à margem da lei e exararem conclusões médicas que não correspondem à verdade? Eu tenho opinião formada: a única razão é a certeza da impunidade.

De igual forma, o Major Comandante da OM, quando instaurou a sindicância para apurar a preexistência da doença, ao ouvir o capitão médico da OM que participou do processo de seleção que confirmou que a doença não era preexistente, pasmem! O mesmo Comandante deu uma ordem verbal para parar a sindicância, que não teve solução, isso está tudo documentado pela própria administração militar.

E como eu vejo essa decisão de paralisar a sindicância?  Ora, quando o Comandante da OM viu que, se prosseguisse com a sindicância, teria que concluir pela não preexistência da doença e, mais, teria que lavrar o atestado de origem, gerando um processo de reforma, ele imediatamente anulou a incorporação do soldado. Mesmo porque os médicos da Junta da Guarnição de Brasília já haviam atestado a preexistência da doença, então, ele literalmente lavou as mãos, livrando-se do problema.

E aqui trago uma reflexão: quantas vezes durante nossas vidas nós ignoramos a dor do próximo, quando poderíamos ajudar ou ao menos fazer a coisa certa?  O Major Expedito poderia muito bem ter agido corretamente, como manda o Regulamento, e ter amparado aquele pobre soldado ainda jovem, pois sabia que a cegueira de seu comandado não era preexistente, mas não, fez tudo errado, preferiu ignorar o Regulamento, trabalhar de forma negligente, preferindo prejudicar do que fazer a coisa certa. Reparem que a responsabilidade de arcar com proventos de reforma seria da UNIÃO, nem dele seria.

Infelizmente essa é a realidade: alguns oficiais agem como se fossem donos da máquina pública, usam as leis e os regulamentos conforme lhe aprazem, aquele discurso de “meu exército” não é só da boca para fora, alguns oficiais se sentem de fato como donos da Instituição à qual pertencem, o caso aqui citado é um exemplo claro, é aquele velho e invocado Regulamento: “regulamento do querer (R QUERO); manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Depois, aqueles que se sentem dono da máquina pública reclamam do aumento expressivo de ações judiciais contra as Forças Armadas, falam em indústria de reformas, referindo-se aos Escritórios de Advocacia que defendem militares. Mas é claro que vão aumentar o número de ações judiciais, se eles não fazem o certo e incorrem em erros constantes, cometendo bobagens atrás de bobagens.

E mais, esquecem que o soldado atualmente não é mais aquele menino humilde que vinha da zona rural para incorporar às Forças Armadas, que aguentava as injustiças calado, por medo inclusive. Não, os tempos mudaram, a população hoje em dia é 84% urbana, são jovens com acesso à informação, que têm um tipo de arma eficiente na mão: o celular.

CHEGAMOS AO FIM

Espero que tenham gostado do artigo, não fiz questão de omitir nomes, pois trata-se de um relato fiel de um processo judicial que é público. É uma história real e triste, que não precisava ter esse fim, se os médicos militares e o Comandante da OM tivessem um mínimo de respeito por um jovem soldado, que um dia a família entregou sadio para servir ao Exército Brasileiro, pensando que ali o filho estaria protegido. E mais triste é saber que histórias assim continuam a se repetir.

Caso tenha gostado do artigo curta, compartilhe, e me dê um feedback, se não gostou expresse de igual forma a sua opinião.


Wolmer de Almeida Januário é bacharel em direito pela Universidade de Brasília, foi soldado da Força da Aérea Brasileira nos anos de 1985/1986 (AFA), sargento reformado do Exército Brasileiro (EsSA 1990), advogado inscrito na OAB/SP sob nº 398.062, é especialista em direito previdenciário militar, é o fundador do Escritório Januário Advocacia.

Wolmer de Almeida Januário

Advogado OAB/SP 398.062

E-mail: wolmer.januario@januarioadvocacia.com.br

Instagram: @wolmerjanuario

 
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