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A discricionariedade da autoridade militar na aplicação da punição disciplinar

A partir da Constituição Federal de 1988 que, em seu Art 5º, inciso LV, trouxe importante garantia fundamental – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa aos litigantes em processos administrativos, foi uma inovação de extrema importância, principalmente para o militar que está sujeito a dois pilares fundamentais que regem as Forças Armadas: a hierarquia e disciplina.

Outra importante inovação, surgiu com o advento da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que veio para regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, que dentre outras diretrizes tratou do impedimento e da suspeição da autoridade administrativa ou servidor, quando este tiver interesse no objeto do processo administrativo, o que trouxe maior imparcialidade para o processo administrativo, seja disciplinar ou não.

Então, atualmente, os militares das Forças Armadas vivem novos tempos, a máxima “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, onde o militar ficava totalmente sujeito aos caprichos das autoridades militares vem perdendo força ao longo dos anos, o espaço para déspotas vem sendo reduzido. Houve uma época que a palavra do Oficial era ponto final, era um sistema muito injusto, sabe-se lá quantos milhares de militares já foram prejudicados ao longo da história pela conduta imprópria de autoridades militares.

No entanto, ainda hoje, existem lacunas que impedem um processo totalmente imparcial, estando o militar das Forças Armadas, que é indiciado em processo disciplinar, sujeito às vontades e convicções da autoridade militar, o que leva muitas das vezes à aplicação de penalidades disciplinares desproporcionais e desarrazoadas, devido a larga margem de discricionariedade que tem a autoridade militar na aplicação da pena disciplinar.

Ausência de relação entre a transgressão disciplinar, a sua gravidade e a respectiva pena levam a punições injustas.

Ao contrário do Código Penal Militar que define as condutas que são crimes militares e preveem a respectiva penalidade, no Regulamento Disciplinar Militar da Marinha, Exército e Aeronáutica não existe uma correspondência entre conduta transgressora e a respectiva pena, por exemplo, o Regulamento Disciplinar do Exército define que é transgressão disciplinar “54. Fumar em lugar ou ocasião onde seja vedado;” – Mas não delimita se esta transgressão é grave, média ou leve nem estabelece uma pena para essa violação.

A autoridade militar tem uma larga margem de discricionariedade na aplicação da penalidade disciplinar.

É essa lacuna que dá margem à aplicação de penalidades desproporcionais a gravidade do ato praticado, porque fica a critério da autoridade militar classificar a transgressão em leve, média ou grave e aplicar a penalidade que bem entender dentro do limite estabelecido em regulamento, nem sempre seguindo os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois, falta até mesmo muitas das vezes conhecimento jurídico para conduzir e dar solução a um processo disciplinar.

Assim, sabendo que cada indivíduo carrega consigo suas crenças, constata-se que, o que pode ser uma transgressão grave para uma autoridade militar, pode ser média ou leve para outra, portanto, é extremamente injusto que nos dias de hoje o militar das Forças Armadas fique sujeito aos critérios pessoais da autoridade militar ao sofrer uma sanção disciplinar.

A Lei nº 8.112/90 que disciplina o Servidor Público Federal da União, prevê claramente as hipóteses em que o Agente Público irá aplicar cada uma das penalidades existentes (advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada).

O ideal seria o próprio regulamento delimitar quais as transgressões são graves, médias ou leves e a respectiva penalidade para cada transgressão, para assim tornar o processo disciplinar o mais transparente e imparcial possível, sendo extremamente injusto que o militar indiciado em processo disciplinar fique sujeito à vontade da autoridade militar.

As lacunas nos regulamentos militares levam à aplicação de penalidades disciplinares desproporcionais e desarrazoadas.

Para exemplificar a desproporção da pena aplicada em algumas situações, vou ilustrar com o caso de um Cabo do 1º Batalhão de Forças Especiais, o Cabo OSIMAR DA COSTA ALMEIDA, cito o nome com a permissão do cabo, porque de tão cabuloso parece não ser verdade o que ocorreu com ele, tudo por causa de uma continência.

Pois bem, o referido cabo em quase 9 (nove) anos de serviço nunca havia sofrido uma única punição disciplinar quando no serviço ativo. Todavia, fruto das intensas atividades militares por pertencer a uma tropa de elite do Exército Brasileiro, acidentou-se e, ainda em tratamento médico foi descartado (licenciado). Isso é o que ocorre com o militar temporário quando apresenta um problema de saúde.

O militar buscou a ajuda do Escritório Januário Advocacia e em pouco tempo e por ordem judicial fora reintegrado para fins de tratamento médico. Com a reintegração, criou-se uma certa animosidade entre ele o seu Comandante, que óbvio não gostou de ter um ato seu suspenso pelo Poder Judiciário.

A animosidade atingiu um nível surpreendente quando o comandante em questão, ao passar perto do Cabo, observou que ele não prestou a continência. De imediato, o comandante se sentiu ofendido e ordenou a prisão por pronta intervenção pelo prazo de 72 horas. Não satisfeito, ele próprio notificou o Cabo para se defender no processo disciplinar (FATD), proferiu solução ao processo e aplicou mais 21 (vinte e um) dias de prisão, o que nos termos da Lei nº 9.784/99 é ilegal, uma vez que estava impedido de atuar no referido processo administrativo.

O assédio moral não parou nesse fato. Após o referido cabo ter cumprido 21 (vinte e um) dias de prisão, o Coronel ainda instaurou uma sindicância para excluí-lo a bem da disciplina delegando a um oficial subordinado a função de sindicante, onde ele próprio foi ouvido como testemunha, bem como deu solução à sindicância, concluindo pelo licenciamento a bem da disciplina.

Além do impedimento da autoridade militar, já que além de “vítima” ao mesmo tempo acusou, apurou a transgressão, e deu a penalidade final, fato é que o Cabo em questão errou sim ao não prestar a continência, e por esta transgressão merecia ser punido, mas não da forma que ocorreu, totalmente desproporcional a punição aplicada.

Infelizmente os Regulamentos Militares da Marinha, Exército e Aeronáutica estão longe do ideal, e não se vê interesse algum em alterá-lo, pois, na prática, quem sofre as consequências é a maioria que mais trabalha e está sujeita a cometer erros, os praças e oficiais subalternos, portanto, não se espera que eventual aprimoramento dos regulamentos militares parta das altas patentes, mas sim dos nossos Parlamentares.

É por isso que urge a necessidade de aperfeiçoar os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, para que se busque dar efetividade de fato aos princípios do contraditório e da ampla defesa, de forma a proporcionar uma maior imparcialidade e segurança na aplicação de punições disciplinares aos nossos militares, que tanto fizeram e fazem pela nossa Nação.

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Wolmer de Almeida Januário é advogado inscrito na OAB/SP 398.062 e sócio-fundador do Escritório Januário Advocacia.

Começou sua carreira militar na década de 80 quando prestou o serviço militar obrigatório na Academia da Força Aérea Brasileira, no período de 1985 a 1986. Em 1990 prestou concurso para a Escola de Sargentos das Armas (EsSA), tendo concluído o curso de Infantaria e designado para servir no 13º Pelotão de Polícia do Exército, em Cuiabá (MT), onde permaneceu de 1991 a 1995, quando foi transferido para Brasília a fim de servir na Diretoria de Inativos e Pensionistas (atualmente denominada Diretoria Civis, Inativos, Pensionistas e Assistência Pessoal) lá permanecendo até o ano de 2001, quando foi reformado em razão de uma hérnia de disco. Em Brasília, no ano de 2000, concluiu o curso de Direito, na Universidade de Brasília (UNB).

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